Vivemos hoje a
sociedade do controle, do monitoramento e da vigilância. Toda informação
produzida na internet deixa rastros sobre nós, isso é, produzem dados, tecem
perfis e, acima de tudo, possibilitam vigiar o nosso comportamento. Isso,
indiscutivelmente, tem repercussões para futuro na medida em que transforma a
subjetividade de como nos relacionamos com o mundo.
Na visão de
Michel Foucault, a disciplina
é uma arma essencial para o funcionamento da sociedade na economia, política e
na guerra. Isso acontece porque seres humanos disciplinados são “corpos
dóceis”, isso é, de fácil controle. Nesse sentido, para controlá-los é preciso
observar, registrar e impor a disciplina sem força excessiva. Segundo o
filósofo, a sociedade é marcada pelo desvio à norma, portanto, interiorizar a
culpa e causar remorsos seria a única forma de garantir o cumprimento das
regras.
Em 1789, Jeremy Bentham
idealizou o dispositivo disciplinar que melhor exemplifica as ideias foucaultianas
e que marca parte da estrutura social e do poder atuais: o panóptico, um
sistema de segurança caracterizado pela “visão desigual”. Ou seja, consiste num ponto de
vigilância central e alto diante de uma prisão circular e panorâmica. Assim,
quem está vigiando vê tudo, mas, quem está sendo vigiado não consegue ver se
tem alguém olhando. É uma espécie de prisão “mental” marcada, principalmente,
pela autocensura e autodisciplina, a própria estrutura já exerce a vigilância.
A visão panóptica mostra como a sociedade se constitui,
até hoje, a partir de formas de vigilância que exercem poder sobre as pessoas. A vigilância por câmeras de
segurança é um exemplo atual disso. Elas mudam o comportamento dos indivíduos e
criam sujeitos inseguros. A partir do momento que instala-se uma câmera em um
local, significa que algo perigoso já aconteceu ou pode acontecer naquela
região.
Com uma câmera, a constituição do
sujeito se altera. Coloca-o em um regime de vigilância temporal. Assim, a
materialidade desse equipamento não é neutra, já que ele é colocado por um
homem que não é imparcial. Todo dispositivo é uma atitude, isso é, teve a
atitude de produzi-lo e de coloca-lo naquele lugar. Assim como no panóptico de
Bentham, a materialidade da câmera já institui o poder.
Hoje a situação se torna um pouco
mais preocupante: existem câmeras com softwares poderosíssimos que não olham
para todos os lugares, elas dirigem o olhar e monitoram comportamentos
suspeitos, fora dos padrões. Há modelos estatísticos do que seria um
comportamento normal. Usar jaqueta no verão, por exemplo, é considerado um
comportamento esquisito. A partir disso, a câmera guia seu olhar para a pessoa.
As câmeras do metrô de São Paulo são exemplos, podem monitorar comportamentos estranhos
e se a pessoa é procurada pela polícia. Alguns países usam esses softwares com
o argumento de evitar o terrorismo. Isso é extremamente assustador, pois, pior
do que o modelo foucaultiano, todas as pessoas passam a ser suspeitas.
O RFID (Identificação por rádio frequência) é um exemplo claro de vigilância. Trata-se de um chip que é capaz de vigiar, à distancia, desde produtos até indivíduos. Concentra todas as informações dos indivíduos em banco de dados.
Outro sistema de
vigilância que atualiza isso é o de Gilles Deleuze, a Sociedade do Controle. Nesse
modelo, não se trata mais de confinar, vigiar e punir, como previa Foucault,
mas de usar as novas tecnologias para o controle social. Consiste em deixar o
movimento acontecer e, com isso, extrair dados que geram um controle eficaz,
contudo, muito mais perigoso.
O princípio da
disciplina de Foucault continua, já que os indivíduos entregam seus dados
voluntariamente à vigilância (pelos logins em sites, pelo GPS do celular, por
compras em cartão de crédito, etc), o que não é, necessariamente, ruim.
Controle não é necessariamente negativo. Controlar os dados estatísticos, por
exemplo, pode significar gerar políticas publicas eficazes. Depende de quem e
como exerce esse controle. O estado, por exemplo, tem o dever de controlar para
conseguir produzir políticas públicas.
A publicidade usa
esse controle para direcionar o marketing de forma individualizada, é o chamado
marketing one to one. Dessa forma,
sugere produtos que, pelo perfil de compra do consumidor, provavelmente ele
comprará. Isso pode ser invasivo ou ajudar o consumidor na compra.
A grande mudança é
no tempo e precisão dessas estatísticas. O que antes era um processo de
pesquisa trabalhosa e com uma amostra pequena da população, se tornou um dado
disponível em tempo real e que abarca um número muito maior de indivíduos,
quase total. Transforma uma sociedade da sondagem em uma sociedade da big data,
ou seja, todos os dados coletados.
É possível saber,
por exemplo, quantas pessoas, em uma dada região, têm determinada doença sem
precisar ir até os hospitais e consultórios, basta ver quantas pessoas
pesquisaram os sintomas no google ou compraram tal remédio. A partir disso,
pode-se produzir políticas públicas eficazes.
O que temos hoje,
portanto, é uma vigilância difusa e pessoal, um controle invisível. Não existe
um objeto que vigia, assim, não dá para ver esse controle. Muitas pessoas nem
sabem que estão sendo controladas em tempo real. O panóptico é visível, já a sociedade
do controle é fluida, imperceptível, por isso, mais perigosa.
As pessoas tendem a
não se preocupar com a privacidade e anonimato já que esses mecanismos (Google,
Facebook. Whatsapp, etc.) fornecem gratuitamente um mundo de possibilidades aos
usuários. Os dados que são fornecidos por nós, entra em um banco de dados que
acaba controlando tudo o que fazemos, onde estamos, como é a nossa rotina, para
quem ligamos, etc.
Esse quadro de
despreocupação pode mudar um pouco com a internet das coisas, isso é, uma
tecnologia que conecta ativos remotos e tem o objetivo de estabelecer conexão entre os
objetos através da internet. O objeto percebe o seu ambiente. Dessa forma, uma pessoa pode programar a geladeira para
avisar quando acabar o leite, a cafeteira pode ligar assim que a garagem abrir
ou pode-se desligar a luz do quarto pelo celular quando está no trabalho.
Atualmente existe um
aplicativo disponível no Brasil que usa essa lógica, chamasse IFTTT (If this than that).
Através dele, o usuário pode programar o celular para, automaticamente, ficar
no modo silencioso assim que chegar no trabalho ou desligar lâmpadas
inteligentes assim que sair de casa. (Saiba mais sobre o IFTTT)
A internet das
coisas é genial e facilitadora em muitos aspectos, mas pode ser extremamente perigosa.
Sempre há o perigo da interceptação do
hacker, que, nesse caso, adentra muito mais na vida pessoal do que quando
hackeia um computador. Justamente por isso, alguns artigos alertam que pela
primeira vez as pessoas vão se preocupar com a segurança. Vão exigir
criptografias mais fortes e difíceis de serem hackeadas.
A internet das coisas vem tomando
espaço. Hoje, existem mais objetos conectados à internet do que pessoas. A
apple, que na última atualização lançou um aplicativo para controlar a saúde,
já anunciou que o próximo iOS, terá um aplicativo que permite controlar a casa
pelo iphone. O app Home permitirá se
conectar com a porta da garagem, luzes, câmeras, etc. (Saiba mais sobre o Home)
Diferença entre CONTROLE, MONITORAMENTO e
VIGILÂNCIA
Para melhor
entendimento, faz-se necessário diferenciar o controle, o monitoramento e a
vigilância. Nem toda forma de controle e monitoramento é vigilância. Controle
diz respeito a números. Monitoramento é a tomada de dados sobre determinados
eventos, é a junção dos dados para produzir uma informação, uma estatística. E,
por fim, vigilância é quando o intuito é prevenir algo no futuro, é mais
particular, tenta evitar algo.
Essas definições
constantemente se confundem. Quando falamos em aplicativos a
coisa vai se complicando e ficando mais complexa. O aplicativo WASE, por exemplo,
controla, monitora e serve de mecanismo
contra a vigilância ao mesmo tempo. Ora, o WASE pega os dados e planeja
a sua rota, ou seja, tem controle. Pode haver monitoramento, pois se o usuário,
ao longo da sua experiência com o app, sabe que determinada rua é sempre
engarrafada, ele produz uma informação sobre aquilo e passa a não escolher
aquela rota. Além de tudo, o app permite controlar alguém, é
possível colocar o nome de um conhecido e saber se ele passa por perto.
O twitter é outro aplicativo que
exerce vigilância. É possível seguir as pessoas para saber o que ela está
twitando.
Atualmente existem
movimentos contra vigilância. Alguns aplicativos,
inclusive, foram criados nesse intuito, é o caso do I-see, um app que fornece o caminho de A para B evitando todas as
câmeras de vigilância (Saiba mais sobre o I-see). O
WASE também exerce essa função. Sua característica contra a vigilância é a mais
perceptível. O indivíduo consegue ver onde tem blitz e, assim, burlar a
vigilância.
O
celular é um instrumento de vigilância e de contra vigilância, pois, pode
filmar, por exemplo, a polícia matando alguém ou pode executar aplicativos de
contra vigilância, por exemplo. Ele amplia o poder do cidadão de vigiar àquele
que o vigia.
Desde
a sociedade panóptica até a extração imperceptível de dados, temos o nosso
comportamento constantemente controlado, seja através de câmeras ou pelos rastros
que deixamos na rede. Portanto, a grande discussão versa entre a segurança e a
insegurança a qual nos submetemos. Estamos seguros? Vale a pena a perda do
anonimato? É válido abrir mão da privacidade em troca dos benefícios da
internet? Essa sociedade do controle produz a nossa subjetividade, muda
comportamentos. Não há mais um lugar restrito onde o poder se faça sentir, pelo
contrário: ele se faz presente em todos os lugares.
REFERÊNCIAS:
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