sexta-feira, 22 de maio de 2015

Sorria, você está sendo controlado!

Vivemos hoje a sociedade do controle, do monitoramento e da vigilância. Toda informação produzida na internet deixa rastros sobre nós, isso é, produzem dados, tecem perfis e, acima de tudo, possibilitam vigiar o nosso comportamento. Isso, indiscutivelmente, tem repercussões para futuro na medida em que transforma a subjetividade de como nos relacionamos com o mundo.

Na visão de Michel Foucault, a disciplina é uma arma essencial para o funcionamento da sociedade na economia, política e na guerra. Isso acontece porque seres humanos disciplinados são “corpos dóceis”, isso é, de fácil controle. Nesse sentido, para controlá-los é preciso observar, registrar e impor a disciplina sem força excessiva. Segundo o filósofo, a sociedade é marcada pelo desvio à norma, portanto, interiorizar a culpa e causar remorsos seria a única forma de garantir o cumprimento das regras.

Em 1789, Jeremy Bentham idealizou o dispositivo disciplinar que melhor exemplifica as ideias foucaultianas e que marca parte da estrutura social e do poder atuais: o panóptico, um sistema de segurança caracterizado pela “visão desigual”. Ou seja, consiste num ponto de vigilância central e alto diante de uma prisão circular e panorâmica. Assim, quem está vigiando vê tudo, mas, quem está sendo vigiado não consegue ver se tem alguém olhando. É uma espécie de prisão “mental” marcada, principalmente, pela autocensura e autodisciplina, a própria estrutura já exerce a vigilância.

A visão panóptica mostra como a sociedade se constitui, até hoje, a partir de formas de vigilância que exercem poder sobre as pessoas. A vigilância por câmeras de segurança é um exemplo atual disso. Elas mudam o comportamento dos indivíduos e criam sujeitos inseguros. A partir do momento que instala-se uma câmera em um local, significa que algo perigoso já aconteceu ou pode acontecer naquela região.

Com uma câmera, a constituição do sujeito se altera. Coloca-o em um regime de vigilância temporal. Assim, a materialidade desse equipamento não é neutra, já que ele é colocado por um homem que não é imparcial. Todo dispositivo é uma atitude, isso é, teve a atitude de produzi-lo e de coloca-lo naquele lugar. Assim como no panóptico de Bentham, a materialidade da câmera institui o poder.

Hoje a situação se torna um pouco mais preocupante: existem câmeras com softwares poderosíssimos que não olham para todos os lugares, elas dirigem o olhar e monitoram comportamentos suspeitos, fora dos padrões. Há modelos estatísticos do que seria um comportamento normal. Usar jaqueta no verão, por exemplo, é considerado um comportamento esquisito. A partir disso, a câmera guia seu olhar para a pessoa. As câmeras do metrô de São Paulo são exemplos, podem monitorar comportamentos estranhos e se a pessoa é procurada pela polícia. Alguns países usam esses softwares com o argumento de evitar o terrorismo. Isso é extremamente assustador, pois, pior do que o modelo foucaultiano, todas as pessoas passam a ser suspeitas. 


O RFID (Identificação por rádio frequência) é um exemplo claro de vigilância. Trata-se de um chip que é capaz de vigiar, à distancia, desde produtos até indivíduos. Concentra todas as informações dos indivíduos em banco de dados.

Outro sistema de vigilância que atualiza isso é o de Gilles Deleuze, a Sociedade do Controle. Nesse modelo, não se trata mais de confinar, vigiar e punir, como previa Foucault, mas de usar as novas tecnologias para o controle social. Consiste em deixar o movimento acontecer e, com isso, extrair dados que geram um controle eficaz, contudo, muito mais perigoso.

O princípio da disciplina de Foucault continua, já que os indivíduos entregam seus dados voluntariamente à vigilância (pelos logins em sites, pelo GPS do celular, por compras em cartão de crédito, etc), o que não é, necessariamente, ruim. Controle não é necessariamente negativo. Controlar os dados estatísticos, por exemplo, pode significar gerar políticas publicas eficazes. Depende de quem e como exerce esse controle. O estado, por exemplo, tem o dever de controlar para conseguir produzir políticas públicas.

A publicidade usa esse controle para direcionar o marketing de forma individualizada, é o chamado marketing one to one. Dessa forma, sugere produtos que, pelo perfil de compra do consumidor, provavelmente ele comprará. Isso pode ser invasivo ou ajudar o consumidor na compra.
A grande mudança é no tempo e precisão dessas estatísticas. O que antes era um processo de pesquisa trabalhosa e com uma amostra pequena da população, se tornou um dado disponível em tempo real e que abarca um número muito maior de indivíduos, quase total. Transforma uma sociedade da sondagem em uma sociedade da big data, ou seja, todos os dados coletados.

É possível saber, por exemplo, quantas pessoas, em uma dada região, têm determinada doença sem precisar ir até os hospitais e consultórios, basta ver quantas pessoas pesquisaram os sintomas no google ou compraram tal remédio. A partir disso, pode-se produzir políticas públicas eficazes. 
O que temos hoje, portanto, é uma vigilância difusa e pessoal, um controle invisível. Não existe um objeto que vigia, assim, não dá para ver esse controle. Muitas pessoas nem sabem que estão sendo controladas em tempo real. O panóptico é visível, já a sociedade do controle é fluida, imperceptível, por isso, mais perigosa.

As pessoas tendem a não se preocupar com a privacidade e anonimato já que esses mecanismos (Google, Facebook. Whatsapp, etc.) fornecem gratuitamente um mundo de possibilidades aos usuários. Os dados que são fornecidos por nós, entra em um banco de dados que acaba controlando tudo o que fazemos, onde estamos, como é a nossa rotina, para quem ligamos, etc.

Esse quadro de despreocupação pode mudar um pouco com a internet das coisas, isso é, uma tecnologia que conecta ativos remotos e tem o objetivo de estabelecer conexão entre os objetos através da internet. O objeto percebe o seu ambiente. Dessa forma, uma pessoa pode programar a geladeira para avisar quando acabar o leite, a cafeteira pode ligar assim que a garagem abrir ou pode-se desligar a luz do quarto pelo celular quando está no trabalho.

Atualmente existe um aplicativo disponível no Brasil que usa essa lógica, chamasse IFTTT (If this than that). Através dele, o usuário pode programar o celular para, automaticamente, ficar no modo silencioso assim que chegar no trabalho ou desligar lâmpadas inteligentes assim que sair de casa. (Saiba mais sobre o IFTTT)

A internet das coisas é genial e facilitadora em muitos aspectos, mas pode ser extremamente perigosa. Sempre há o perigo da interceptação do hacker, que, nesse caso, adentra muito mais na vida pessoal do que quando hackeia um computador. Justamente por isso, alguns artigos alertam que pela primeira vez as pessoas vão se preocupar com a segurança. Vão exigir criptografias mais fortes e difíceis de serem hackeadas.

A internet das coisas vem tomando espaço. Hoje, existem mais objetos conectados à internet do que pessoas. A apple, que na última atualização lançou um aplicativo para controlar a saúde, já anunciou que o próximo iOS, terá um aplicativo que permite controlar a casa pelo iphone. O app Home permitirá se conectar com a porta da garagem, luzes, câmeras, etc. (Saiba mais sobre o Home)

Diferença entre CONTROLE, MONITORAMENTO e VIGILÂNCIA
Para melhor entendimento, faz-se necessário diferenciar o controle, o monitoramento e a vigilância. Nem toda forma de controle e monitoramento é vigilância. Controle diz respeito a números. Monitoramento é a tomada de dados sobre determinados eventos, é a junção dos dados para produzir uma informação, uma estatística. E, por fim, vigilância é quando o intuito é prevenir algo no futuro, é mais particular, tenta evitar algo.

Essas definições constantemente se confundem. Quando falamos em aplicativos a coisa vai se complicando e ficando mais complexa. O aplicativo WASE, por exemplo, controla, monitora e serve de mecanismo  contra a vigilância ao mesmo tempo. Ora, o WASE pega os dados e planeja a sua rota, ou seja, tem controle. Pode haver monitoramento, pois se o usuário, ao longo da sua experiência com o app, sabe que determinada rua é sempre engarrafada, ele produz uma informação sobre aquilo e passa a não escolher aquela rota. Além de tudo, o app permite controlar alguém, é possível colocar o nome de um conhecido e saber se ele passa por perto.

O twitter é outro aplicativo que exerce vigilância. É possível seguir as pessoas para saber o que ela está twitando.

Atualmente existem movimentos contra vigilância. Alguns aplicativos, inclusive, foram criados nesse intuito, é o caso do I-see, um app que fornece o caminho de A para B evitando todas as câmeras de vigilância (Saiba mais sobre o I-see). O WASE também exerce essa função. Sua característica contra a vigilância é a mais perceptível. O indivíduo consegue ver onde tem blitz e, assim, burlar a vigilância.

O celular é um instrumento de vigilância e de contra vigilância, pois, pode filmar, por exemplo, a polícia matando alguém ou pode executar aplicativos de contra vigilância, por exemplo. Ele amplia o poder do cidadão de vigiar àquele que o vigia.

Desde a sociedade panóptica até a extração imperceptível de dados, temos o nosso comportamento constantemente controlado, seja através de câmeras ou pelos rastros que deixamos na rede. Portanto, a grande discussão versa entre a segurança e a insegurança a qual nos submetemos. Estamos seguros? Vale a pena a perda do anonimato? É válido abrir mão da privacidade em troca dos benefícios da internet? Essa sociedade do controle produz a nossa subjetividade, muda comportamentos. Não há mais um lugar restrito onde o poder se faça sentir, pelo contrário: ele se faz presente em todos os lugares.

REFERÊNCIAS: